Celso e Junko Sato Prado – Golpe militar de 1º de abril de 1964 – Santa Cruz do Rio Pardo
O acontecimento de 1º e culminado aos 02 de abril de 1964, em todo o Brasil, já vinha sendo gestado desde 1960, com a conjuntura política instável e quando a reforma agrária em voga, como política de alguns Estados temendo o êxodo rural, com apoio de setores progressistas da Igreja, e o movimento cubano por inspiração às Ligas Camponesas.
Foram tempos das organizações de sindicatos ruralistas e o reconhecimento da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), da regulamentação do Estatuto do Trabalhador Rural; dos grupos progressistas católicos formados – Juventude Estudantil Católica, Comunidades dos Jovens Cristãos – CJC ou similar regional/municipal, Universitária Católica e de outros segmentos aliados às ações do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e da União Nacional dos Estudantes (UNE).
O clima tornou-se tenso em março de 1964, em especial aos 31 de março de 1964, com a denúncia da ‘CONTAG’ na Agricultura, que os golpistas pretendiam deposição imediata de Jango, acontecida no dia seguinte sem maiores alaridos, e os militares instalando-se no poder – A República dos Generais, com o apoio interno da Frente Patriótica Civil Militar; do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais – ‘IPES’; o ‘IBAD’ – Instituto Brasileiro de Ação Democrática; e a ‘TFP’ pela Sociedade Brasileira para a Defesa da Tradição, Família e Propriedade.
Soldados, tanques, canhões e aviões nos grandes centros e áreas estratégicas, Exército, Aeronáutica e Marinha; prontidões das polícias e tiros de guerra nos centros menores.
O empresariado apoiou o golpe e se deu bem durante o período da ditadura militar, da mesma forma autoridades, funcionários graduados ou responsáveis por repartições, além dos políticos adesistas, funcionando, em muitos casos, como delatores.
O golpe de 1964 contou com apoio norte-americano, receoso das supostas relações do Brasil com os países comunistas, em plena Guerra Fria, ou seja, a disputa entre os antagônicos EUA (USA) e URSS. O evento sacudiu todos os países da América do Sul contra as esquerdas, e a crueldade do regime trouxe problemas para alguns santa-cruzenses.
O advogado e professor Amaury Cesar foi o primeiro deles, por identificar-se com o ‘G-11 – Vanguarda Avançada do Movimento Revolucionário’, conhecido como Grupo dos Onze, fundado em 1963 sob a inspiração e liderança de Leonel de Moura Brisola, pretenso unificador das esquerdas, visando formar grupos de onze pessoas, no mínimo, em cada município, que seriam integrantes do ‘EPL – Exército Popular de Libertação’. Discursos inflamados, um em frente à Câmara Municipal de Santa Cruz do Rio Pardo e outro na Praça Ramos de Azevedo, em São Paulo, causaram a Amaury a reprovação para o ingresso ao Ministério Público, na fase de entrevista, porque sabido e visto ativo partícipe comunista – mudaria depois, tornando-se confiável.
Outro perseguido pelos golpistas foi o comunista Dario Nelli, líder do movimento camponês e de 1953, vinculado ao então clandestino Partido Comunista Brasileiro (PCB).
“O Professor Gentil Marques Válio, o advogado Amaury César e o escritor Wilson Gonçalves, chegaram a ser ouvidos na polícia quando, numa busca na residência de Dário, descobriu recibos dos jornais em nome deles. Nenhum era simpatizante do comunismo, mas por conta do episódio aquele quarteirão da Conselheiro Antonio Prado foi apelidado de ‘rua Moscou’-[1]“.
Dario Nelli, conforme citado, fora líder do Movimento Camponês de 1953, de ideologia comunista, e os citados Gentil Válio, Amaury e Wilson simpatizantes ao G-11.
Além dos mencionados, alguns professores tiveram que prestar esclarecimentos por opiniões contrárias ao regime militar, lembrados o Carmelo Salvador Francisco José Sigismundo Crispino, Professor e Presidente do Clube de História – Economia Política e Ciência das Finanças do Instituto de Educação Leônidas do Amaral Vieira, e o Antonio Raimundo, também do mesmo Instituto, Vereador, denunciado pelo ex-prefeito Onofre Rosa de Oliveira.
Onofre e Raimundo pertenciam à mesma agremiação política de sustentação ao Governo Militar, a ‘Aliança Renovadora Nacional – ARENA’, porém Raimundo era da facção Vermelha e Onofre do Azul, cores que realmente distinguiam os grupos partidários em Santa Cruz do Rio Pardo.
Santa Cruz teve um torturador de presos políticos[2], também membro do Esquadrão da Morte, o policial Samuel Pereira Borba – o Samuca, Escrivão de Polícia – DEOPS/SP, vinculado ao coronel Erasmo Dias e ao delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury, que aos amigos acertava concursos para a Polícia Civil. Borba era filho do notório ex-comunista, o despachante policial Pedro Pereira Borba, conhecido por Gaúcho, que nos anos de 1940 renunciara ao comunismo num destacado manifesto público[3].
No Golpe Militar de 1964 o caso marcante santa-cruzense foi a prisão de Edjalma Dias – Presidente do Centro Acadêmico Leão XIII da PUC quando estudante de Economia. O preso seria filiado a uma agremiação partidária proscrita e viu-se na mira dos repressores, conforme alertado pelo Cardeal de São Paulo, D. Paulo Evaristo Arns, e refugiou-se na casa dos pais, em Santa Cruz, para garantia em não ser morto nem torturado pelos perseguidores, sendo preso por um militar do exército, o também santa-cruzense Gerson Gonçalves Filho, que o entregou às autoridades.
Do episódio, Edjalma defendeu o amigo:
“Quando Gerson soube do meu mandato de prisão, e por ser meu amigo desde a infância, pediu para comandar aquela equipe de captura e proteger minha vida. Qualquer outro comandante naquela operação poderia não me levar vivo à prisão. Eu morreria no caminho, com certeza! Ao me prender na casa de meus pais, ele foi generoso ao não me algemar, com a minha promessa de que não faria qualquer tentativa desesperada de fuga, poupando meus pais de mais uma humilhação. Foi mais generoso ainda ao permitir que meu pai me levasse até o trevo de Ipaussu, o que me deu tempo de transmitir algumas informações importantes ao velho Juvenal de modo a me ajudar naquele momento difícil[4].”
Para alguns, Edjalma teria feito acordo com os militares entregando amigos – ‘Caso XXX Congresso da UNE’ – no sítio Muduru em Ibiúna (SP), com a prisão de mais de mil estudantes, destacando-se Luiz Travassos, Presidente da União Nacional dos Estudantes – UNE; José Dirceu, Presidente da União Estadual dos Estudantes – UEE; Vladimir Palmeira, Presidente da União Metropolitana dos Estudantes – UME; Antonio Guilherme Ribas, Presidente da União Paulista dos Estudantes Secundários.
Em razão desse acordo o nome de Edjalma Dias não constaria entre os beneficiários anistiados e ou de presos políticos pelo Regime, nem o seu nome nos Arquivos DEOPS, informação última improcedente, pois o nome Edjalma Dias consta no Prontuário de nº 55857 – Caixa 69, nos arquivos da Delegacia Especializada de Ordem Social. Ao saber seu nome “nos arquivos do Deops, Edjalma revelou que, na verdade, ficou preso na sede do Deic em São Paulo nos anos 70[5]“.
Conforme depreendido da publicação Folha de São Paulo, edição de 13 de agosto de 1968, também por levantamentos SatoPrado, a Operação ocorrida em Ibiúna, tratou-se de ação policial conjunta entre o DOPS e a Polícia Militar de São Paulo (Força Pública), com o aval do Governador Dr. Roberto da Costa de Abreu Sodré, sendo que os policiais conheciam o local exato do Congresso UNE, oficialmente, tanto pela população de Ibiúna – surpresa pelo número de jovens na região, quanto por um trabalhador rural barrado pelos estudantes de entrar no sítio Muduru, tido oficialmente o informante, sem nenhuma referência quanto a possível colaboração de Edjalma Dias.
Dezenas de nomes de santa-cruzenses, nascidos ou moradores, constam fichados em Arquivos do DEOPS, sob a égide da segurança nacional, desde atuação política considerada subversiva às reuniões de grupos em clubes ou residências; ou por comungar ideias tidas ou ditas comunistas; participar, estar ou fazer companhia a pessoas notoriamente comunistas; conhecer pessoas participantes de grupos de esquerdas – armados ou não; expressar juízos que pudessem induzir mensagens contra o governo, ou sugerir pensamentos revolucionários; confeccionar cartazes, panfletos ou publicações gráficas de manifestos, próprios ou de outrem, contra o governo; fraudar o erário ou emitir documentos de maneira que alguém pudesse se beneficiar de dinheiro público; e corrupções entre outras possibilidades.
Entre os fichados pela Polícia Política, pós 1964, além dos já mencionados, são conhecidos: “Alcides Beguetto, Aloysio Pinheiro Guimarães, Antonio Leme da Silva – Baiano, Clélio Zanoni, Daniel Lopes de Queiroz, Derly Ribeiro, Edilon de Souza Reis, Edmar de Deus Nunes, Eron de Souza Reis, Helios Ismael Gonçalves Lino, João Batista Geronimo, João Carlos Rolim Rosa, Luiz Antonio Elias, Marcilio Pinheiro Guimarães, Paulo Patrocínio, Paulo José Patrocínio, Sessuke Akagui, Theofilo Queiroz Junior e Wanderlei Losovoi [Lozovoy][6]“.
Foram, ainda, relacionados pelo DEOPS, também os santa-cruzenses envolvidos no ‘Caso SABESP’, de 1981, quando do apedrejamento da Câmara Municipal, da residência do então prefeito Aniceto Gonçalves, da Prefeitura e próprios da principal envolvida: “Alfeu Andrade, Antonio Aparecido Fernandes, Antonio Francisco Zanete, Arnaldo da Silva Ramos, Hilda Monteiro Nogueira de Oliveira, Israel Benedito de Oliveira, João Roque de França Neto, Monica Regina de Oliveira, Oscar dos Santos, Simei Gonçalves e Suely Gonçalves.
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