24 de novembro de 2024
OpiniãoZ2

Luiz Carlos Cichini – (Des) Humanidade

A mesa do jantar está farta, toda noite é assim. Mas o pequeno garoto mal toca no prato. A mãe ralha, o pai revira os olhos. “Come, menino, senão não cresce!”. Na mente do pequeno, o próprio crescimento está bem longe de ser um problema. Come uma garfada e se lembra de um dos coleguinhas de escola, do mesmo tamanho que ele, porém muito mirrado, fraquinho, que sai de casa todos os dias sem fazer uma única refeição e se farta na hora do recreio. Nas aulas, é um dos mais atrasados, mal consegue prestar atenção nas lições…

Na hora de dormir, enquanto se deita em sua cama macia e quentinha, não consegue pegar no sono. Enquanto se vira de um lado para o outro, vem à memória a imagem dos moradores de rua que encontra pelo caminho quando sai de casa para a escola ou algum passeio. São tantos, de todas as idades, tantas faces tristes, olhares perdidos. Falta-lhes tudo, não só um teto decente. Faltam-lhes sonhos, dignidade, alimento e amor.

Para o garotinho não falta nada, material ou sentimental. Tem tudo de que precisa em abundância, porém, seu coração não se alegra. Mesmo sem conhecer o significado de “paradoxo”, sabe em seu íntimo que algo está errado. Sabe que se sobra tanto para alguém, é porque falta tanto para outros. E assim é desde que o mundo é mundo e vai continuar… até quando?

Os jornais noticiam homens, mulheres e crianças que morrem em algum lugar do mundo. Pessoas que morrem abandonadas pela sociedade, pessoas invisíveis, que não são enxergadas como seres humanos em sua integridade. Pessoas que foram desumanizadas e se tornaram apenas números. Um homem que morreu nas ruas ontem, uma mulher encontrada morta na semana passada, uma criança que morrerá de fome talvez amanhã. Suas vidas miseráveis há muito deixaram de ser notadas, perderam seu valor. Só servem para elevar as estatísticas, inflamar falsos discursos moralistas de quem muito diz e pouco faz.

Enquanto isso, aquele pequeno garotinho, em sua tenra idade, percebe as mazelas do mundo e sofre com a dor do outro. Tem consciência das injustiças da vida, mas ainda não tem forças nem idade suficiente para promover a mudança. E nós, temos a mesma consciência e forças para mudarmos a realidade? Que a luz da esperança cresça cada vez mais no coração do pequeno garoto. Que a luz de nossa humanidade jamais se apague…

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