Luiz Carlos Cichini – Águas Passadas
Que águas passadas não movem moinhos já é de consenso geral. Não há como mudar o passado – que bom seria se pudéssemos, não? – porque o passado simplesmente já não existe mais. Porém, seus efeitos perduram no presente e, possivelmente, afetarão também o futuro.
Mais do que simples saudosismo, muitas vezes a visita ao passado se faz necessária para buscar as raízes de vários de nossos problemas. Uma palavra ou atitudes mal interpretadas podem afetar consideravelmente nossas vidas no presente momento. Em nossa visão infantil do mundo, enquanto somos crianças, vemos e percebemos a realidade de modo muito diverso e, por vezes, distorcido. Nossa sensibilidade e suscetibilidade na tenra idade podem deixar marcas severas nos adultos que nos tornamos.
É lá, no passado, que nossos traumas foram gerados e, como fantasmas, atravessam nossa vida arrastando suas correntes pelos corredores da memória, infligindo sofrimento e dor sempre que um gatilho é acionado. É no passado que lembranças boas e ruins se entrelaçam, correm pelos campos de mãos dadas, riem ao redor da mesa ou derramam suas silenciosas lágrimas no confidente travesseiro. É no passado que deixamos medrosos meninos e meninas para nos tornarmos homens e mulheres de coragem, que carregam nos ombros o peso das responsabilidades exigidas pela vida adulta.
Instantes passados aprisionados em belas molduras sempre nos lembram do que já se foi, de onde viemos, daqueles que nos antecederam nesta jornada. Retratos são, assim, memória eternizada, um recorte do tempo que se quis resgatar e reviver a cada vez que a fotografia é admirada. Na falta da moldura empoeirada na estante, podemos reviver os momentos em nossas recordações, nem sempre fiéis, muitas vezes alteradas, algumas vezes repletas de lacunas que o tempo, em sua fugacidade, acaba por deixar.
O que houve no passado, infelizmente (ou felizmente?) não pode mais ser alterado, mas o que fazemos com o resultado dessas ações aqui no presente sim, pode ser alterado, ressignificado. Temos o poder de escolha: deixar que o passado continue nos fazendo sofrer infinitamente, ou dar a volta por cima, tirando de tudo o que nos feriu um aprendizado. Está em nossas mãos decidir como faremos de agora em diante. Só temos o presente para viver e agir, na esperança de construirmos um futuro melhor.
Por isso, quando dizemos que águas passadas não movem moinhos, precisamos parar um instante para refletir: de que moinhos estamos falando? Será mesmo que essas águas não estão movendo, inconscientemente, nossos moinhos? Caso estiverem, já passou da hora de mudarmos o seu curso…
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