Celso e Junko Sato Prado – Epidemia de varíola – surto de 1891
Com população de 5.529 habitantes somados os moradores de Óleo, Ilha Grande [Ipaussu] e Salto Grande (IBGE, Censo de 1890), Santa Cruz teve em 1891 o primeiro surto variólico que se tem notícia oficial, e nele envolveu-se o médico João Cândido de Souza Fortes, Delegado de Higiene, para as vacinações iniciadas no mês de setembro de 1891 (DOSP, 01/10/1891).
Dadas as sucessivas ocorrências epidêmicas na região santa-cruzense, em 1891, por ato do Governo do Estado de São Paulo “Foi nomeado para exercer o cargo de delegado de hygiene de Santa Cruz do Rio Pardo o cidadão Dr. João Cândido de Souza Fortes” (DOSP, 13/08/1891: 672), continuando à frente dos serviços de saúde pública municipal nos anos de 1892 e 1893, cuidando também da localidade de São Pedro do Turvo na prestação de serviços aos variolosos daquela localidade (DOSP, 18/11/1892: 4806).
Na região santa-cruzense, do século XIX, sabe-se que o dr. Fortes, como ‘Delegado de Higiene’, enfrentou em 1891 a pior epidemia de varíola da história sub-regional, situação amplamente observada e comprovada em diversas publicações pelo Diário Oficial do Estado de São Paulo.
O Dr. João Cândido de Souza Fortes era médico legalmente habilitado para o exercício da profissão, de acordo com registros junto à ‘Diretoria do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo’ (DOSP, 20/02/1900: 11, publicação tomada aleatoriamente), sendo a primeira ‘autoridade sanitária’ do município e nele residente e alistado eleitor. Casado com Dona Amélia d’Alcantara Fortes, residiu por alguns anos em Santa Cruz, onde nascida a filha Amélia, batizada aos 10 de junho de 1893.
— Afora as funções médicas, Fortes também foi ‘juiz substituto’ em Santa Cruz, de 14 a 26 de julho de 1892 (DOSP, 10/03/1893: 5964).
Sem qualquer relatório oficial encontrado nas repartições públicas locais, até os óbitos ocorridos no período foram excluídos, para desta forma mutilar a história santa-cruzense, quando padre Bartholomeu Comenale era a autoridade maior municipal, em 1892/1893, e fez transcrever os livros eclesiais e cartoriais do ano anterior.
No livro eclesial de óbitos – volume 1 para o período de 1883 a 1897, os registros para 1891 cessam em 28 de janeiro de 1891, à folha 41 – verso, sob o número 17, para em seguida constar o de número 18 com data inserida aos 04 de dezembro de 1888 – preenchimento tardio, enquanto o de número 19 refere-se a 31 de janeiro de 1896, já com assinatura do Padre Paschoal Maria Giffoni, indicando, com isso, o desaparecimento de algum livro e dados suprimidos.
O Cartório de Registro Civil local não traz os registros de óbitos ocorridos no ano de 1891, período descrito, perdendo-se, por exemplo, o assento da morte de Joaquim Manoel de Andrade.
Igualmente não constam os registros epidemiológicos de 1891 e os óbitos decorrentes da varíola no período, a cumprir tão somente recorrência ao Diário Oficial do Estado para acompanhamentos das ações das autoridades envolvidas, e, assim, dimensionar a gravidade do grande surto epidêmico que assolou Santa Cruz. Relatórios podem existir, embora, ainda, não localizados.
Detectada a epidemia em Santa Cruz, o Governo de São Paulo providenciou “remessa de tubos de limpha vaccinica” (DOSP, 01/10/1891), por via férrea até a gare de Botucatu, e daí por entregadores, a cavalo em galope máximo, com repasses de distância em distância a outro cavaleiro. À mesma maneira, algum telegrama necessário de Santa Cruz a outra localidade, geralmente São Paulo, era levado até Botucatu, de onde emitido ao destino.
— As sequências imediatas de correspondências, de pedidos e providências mútuas entre o Governo do Estado e Município, não teriam a eficiência se não fosse o uso de telégrafo em Botucatu.
A população temia a doença ao mesmo tempo que resistia ao plano de saneamento e, sobretudo à vacinação – então inédita, ressalvas estas por saber que a vacina era produzida a partir de vitelos, desde 1887, e a situação poderia escapar do controle e tratamento.
As autoridades de governo recomendavam isolamentos extradomiciliares dos enfermos, nalgum isolamento, para se evitar contágios, bastante certo, a isto opunham-se os ricos, que não desejavam internamento junto aos indigentes.
Em Santa Cruz, pelo menos dois isolamentos detectados para atendimento aos doentes, um nos altos da cidade, próximo ao cemitério, onde, depois da desativação, por décadas funcionou como local para a ‘Antena da Rádio Difusora Santa Cruz’; outro, na zona rural, no Bairro do Douradinho.
—Também conhecido o barracão na chácara do médico italiano Samuel Genuta, próximo onde hoje a capela urbana de Rita Emboava, mas este era local de estadia e tratamento apenas para hansenianos, por isso denominado de ‘Domicilio dos Leprosos’, completo com o ‘Acampamento dos Morféticos’, na Água dos Pires, próximo ao atual núcleo residencial ‘Parque das Nações’.
Apesar das presenças dos médicos em Santa Cruz, o dr. Fortes e o italiano dr. Samuel Genuta, o juiz de direito e o juiz municipal solicitaram do Governo do Estado fosse providenciado um médico “afim incumbir-se do tratamento de variolosos indigentes” (DOSP, 14/10/1891). O pedido denota desentendimento entre as autoridades locais e o médico Fortes, sendo a solicitação do judiciário satisfazer a sociedade em evitar, tratamento igual para os doentes socialmente desiguais.
Dr. Fortes, como ‘delegado de higiene’, reagiu a essa situação para comunicar ao governo ser ele quem à frente do tratamento de variolosos no município, e apenas a ele cumpria as decisões e ações tomadas no combate à epidemia (DOSP, 15/10/1891).
Não há registros, mas as discórdias teriam prosseguido e o Dr. Fortes momentaneamente teria deixado o cargo, assim depreendido do comunicado da Inspetoria de Higiene, “ter o dr. delegado de hygiene de Santa Cruz do Rio Pardo reassumido o seu cargo e por isto achar desnecessaria a nomeação de um medico para tratar dos indigentes atacados de variola n’aquella villa.” (DOSP, 17/10/1891).
Dr. Fortes saiu avigorado do embate, e, aos 17 de dezembro de 1891, “Conforme participou o Dr. Delegado de Hygiene de Santa Cruz do Rio Pardo, acha-se extinta na mesma localidade a epidemia de varíola.” (DOSP, 17/12/1891).
A ‘Inspetoria de Higiene’ foi acabada pela Lei nº 43, de 18 de julho de 1892, com a reforma dos serviços sanitários em São Paulo, numa ambiciosa legislação firmada pelo Decreto nº 87, de 29 de julho do mesmo ano de 1892, criando para o Estado de São Paulo o ‘Serviço Sanitário Estadual’, vinculado à Secretaria do Interior, ato denominado de estadualização dos serviços de saúde, com sedes nas cabeças de comarcas, continuando sob a responsabilidade das câmaras municipais, e o dr. Fortes permaneceu à frente dos serviços de saúde no município, ainda nos anos de 1892 e 1893.
Com a implantação do ‘Serviço Sanitário Estadual’ as prevenções e decisões ao atendimento de saúde ficaram mais rápidas e eficientes, vistas comprovações nos combates à varíola, malária e febre amarela, cujos surtos após 1894, em muitas cidades do interior, inclusive Santa Cruz do Rio Pardo, cuja sede era Botucatu.
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