20 de setembro de 2024
OpiniãoZ2

Celso e Junko Sato Prado – Sodrélia

Sodrélia – I. Histórico conhecido

-Respeitamos todas as tradições e memórias do lugar…são muito belas-

No ano de 1898 o médico residente em Santa Cruz do Rio Pardo, Francisco de Paula de Abreu Sodré, o ‘Dr. Chiquinho Sodré’, sabia que a Ferrovia Tibagi ou Sorocabana não mais passaria por Santa Cruz do Rio Pardo, daí sugerida a possibilidade de um ramal. O médico recebia informações privilegiadas através do sogro, o advogado, capitalista e deputado federal, Antonio da Costa Junior, alcunhado ‘Dr. Costão’, igualmente habitador santa-cruzense.

Em Santa Cruz também moradores o capitão Balthazar de Abreu Sodré, dono de farmácia e ‘grileiro de terras’, irmão do ‘Dr. Chiquinho’; e o juiz de direito da comarca, José Augusto da Costa, irmão e genro do ‘Dr. Costão’, posto casado com uma sobrinha, então concunhado do ‘Dr. Chiquinho’ – as mulheres eram irmãs. O juiz informava a família sobre as terras possíveis de ocupações, desde aquelas entre fazendas ou aguadas, àquelas em litígios.

Bem ‘avisado’, ‘Dr. Chiquinho’, entre os anos 1898/1901, ajustou terras divisas com a fazenda Mandaguahy, e delas doaria parte, em 1906, para a construção da gare no ramal férreo, pátio e linhas adicionais para manobras de vagões de cargas, além de armazéns e residências para os empregados ferroviários.

Desde 1901 o ‘Dr. Chiquinho’ era o ‘prestigioso chefe político’ santa-cruzense e presidente da Câmara Municipal, após suplantar o líder anterior, coronel João Baptista Botelho. Entusiasta da interiorização ferroviária e, no caso, também por interesse próprio, ‘Dr. Chiquinho’ obteve da Câmara Municipal autorização para, escolhido o melhor trajeto do ramal ferroviário de Bernardino de Campos a Santa Cruz do Rio Pardo, celebrar contrato milionário às custas do município, para a construção do ramal ferroviário e as estruturas necessárias, com inauguração em 1908.

A estação ferroviária recebeu o nome “Dr. Francisco Sodré”, ninguém imaginava outro nome, e por lá, além dos passageiros, embarcavam sacas de café, outros produtos agrícolas, porcos e gado bovino que vinham das fazendas próximas e até do Paraná, regiões de Jacarezinho e Santo Antonio da Platina entre outras localidades, com passagens por balsas, no Paranapanema, depois a estrada terrenha rumo a Sodrélia onde os encaminhamentos ferroviários. ‘Dr. Costão’ era um dos principais exploradores dos serviços de balsa na região.

De imediato à inauguração ferroviária se pensou na criação de um distrito, primeiro de Polícia, depois de Paz, cujas divisas intentadas

-“Partindo da margem esquerda do ribeirão Mandaguahy do ponto onde divide o municipio de Santa Cruz do Rio Pardo e Bernardino de Campos, seguem descendo pelo ribeirão Mandaguahy até à sua barra na margem esquerda do rio Pardo; dahi descendo pelo rio Pardo até a barra do ribeirão Cebolão; dahi subindo pelo ribeirão Cebolão até á ultima nascente; dahi em linha recta ao ponto onde se encontram os divisores dos córregos Caeté, ribeirão dos Pires e Cebolão; dahi a esquerda subindo pelo divisor dos corregos Caeté e Cebolão até encontrarem o divisor dos corregos Caeté e Bôa Vista; daí à direita descendo pelo divisor do corrego Caeté e Bôa Vista, até à barra do corrego Caeté no ribeirão da Figueira; dahi descendo pelo ribeirão da Figueira até a barra do corrego das Palmeiras; dahy subindo pelo corrego das Palmeiras até as divisas dos municipios de Ipaussu e Santa Cruz do Rio Pardo; dahi à esquerda por essas divisas até encontrarem as divisas do municipio de Bernandino Campos; dahi á esquerda acompanhando essas divisas até à margem esquerda do ribeirão Mandaguahy, onde tiveram principio.”

O distrito pretendido, no entanto, não preenchia as exigências da Lei nº 1.038, de 19/12/1906, em seu artigo 3º e § 5º, firmada na Constituição Estadual de 1891; No ano seguinte, o Decreto 1.533, de 23 de novembro, regulamentou a matéria e estabeleceu quais certidões oficiais obrigatórias para cumprir as exigências estabelecidas e mantidas até a Revolução de 1930.

Sodrélia, já com esta denominação, somente obteve as condições para Distrito Policial em 1928 e, no ano seguinte, Distrito de Paz pela Lei nº 2.366, de 07 de novembro de 1929, observadas aquelas dimensões sugeridas.

O lugar tornara-se, então, atrativo para fazendeiros. Documentos atestam os primeiros nomes nas transações de terras, sentindo-se desde logo a necessidade de um povoado para sede distrital, no qual a praça com igreja, e, no entorno, a escola – instalada em 1912, moradias, comércio e outras melhorias públicas, como correio e cartório, além de lugar para divertimentos como cinema, campo de futebol e demais atividades esportivas e de lazer. Existiam algumas casas e até comércio, entre a sede da fazenda do ‘Dr. Chiquinho’ e a linha férrea.

No ano de 1934 o médico Pedro Cesar Sampaio adquiriu da ‘Santa Cruz Coffer Company Limited’, Fazenda Mandaguahy, trinta e cinco alqueires de terras, com vinte mil pés de café, colocando a venda lotes para formar o povoado que viria ser sede do distrito. (Documentos: Cópias Digitalizadas – Arquivo dos Autores).

 II. A história desconhecida de 1856 a 1898

Em 1856 algumas fazendas, a partir do Pardo santa-cruzense, apresentavam nascentes de suas águas onde futuramente convencionada a territorialidade sodreliense, conforme registros no Livro Paroquial de Terras para Botucatu, Lei 500/1950 – Lei das Terras (Arquivos do Estado de São Paulo, AESP Livro 123) e das primeiras transações de compras, permutas e vendas. Citamos:

  1. Fazenda [Água] do Pires

O capitalista, arquiteto e entalhador José da Costa Allemão Coimbra (Correio Paulistano, 1863: 3), em 16 de novembro de 1857, por escritura particular, adquiriu do Francisco de Paula Moraes, genro de José Theodoro de Souza, gleba de terras à margem esquerda do Rio Pardo (DOSP, 10/06/1909: 1809), cuja escritura pública outorgada em 05 de janeiro de 1860, com as dimensões abaixo descritas, já atualizados os divisantes:

“Principiando na barra do Rio Pardo, dividindo com Silvestre de Andrade, dahi segue pela linha de perimetro da divisão, passa o rio por Tolle Irmão e Comp, na qual, além de Henrique Hardt e outros, foi condonimo o mesmo Silvestre até encontrar as divisas da sorte de terras pertencente a Delfino de tal, já fallecido, e outros, entre os quaes Luiz Marciliano da Silveira e Joaquim Ricardo Marques; dahi segue dividindo com essa sorte de terras, até encontrar as divisas da sorte de terras pertencente aos herdeiros ou successores de Delfino da Cunha, fallecido e outros; dahi divizando com essa sorte de terras, segue até encontrar as divisas da fazenda Boa Vista, de propriedade de D. Guilhermina da Conceição; dai, divizando com esta fazenda, segue até encontrar a linha de perimetro da divisão da fazenda Barreirinho, promovida pelo coronel Antonio Martins de Oliveira; dahi segue pela linha do perimetro desta fazenda até encontrar, cercando as cabeceiras do ‘Ribeirão dos Pires’, a linha do perimetro da demarcação e divisão a fazenda ‘Figueira’, promovida por Antonio Rabello; dahi segue por essa linha até o Rio Pardo, abrangendo uma pequena agua com todas suas vertentes que existe para baixo da barra do Ribeirão dos Pires, dahi segue Rio Pardo acima até o ponto de partida”.

Allemão Coimbra, muito rico e com outras atividades, deixou nesta fazenda o agregado Francisco Pires de Souza, “que desde na maior parte das águas foi morar” deu-se ao lugar a denominação ‘Água dos Pires’ (DOSP, 18/09/1909: 4310-4311).

Em 1863 Allemão Coimbra colocou sua fazenda a venda, conforme publicações no Correio Paulistano (01/08/1863: 3 e outras edições), e, antes de concretizar negócios, empreendeu viagem ao exterior [Portugal], vindo a falecer em África Portuguesa, e os bens ficaram para sua viúva, meeira e coerdeira com os filhos, à exceção da Henriqueta da Costa Allemão Coimbra moradora no exterior, que repassaram a fazenda em Santa Cruz do Rio Pardo à empresa Alves de Azevedo e Companhia, e deu-se longa disputa judicial com o agregado Francisco Pires de Souza que para si reivindicava toda a propriedade.

Iniciavam-se apossamentos indevidos, escrituras forjadas de compras e vendas forjadas, atraindo atenções de Francisco de Paula de Abreu Sodré e outros.

No ano de 1921 o Semanário ‘Cidade de Santa Cruz’ anunciava: “Fazenda dos Pires – (Villa Zerrener) – Comunico aos pretendentes que já estão sendo cortados pelo agrimensor os lotes de terrenos da fazenda dos Pires e que restam poucos à venda. Americo França Paranhos.” (13/03/1921: 6). Os lotes ofertados eram datas, chácaras, sítios e fazendolas, destacando-se entre os compradores o Albino Trevisan, nome agregado à história santa-cruzense.

Zerrener ou, mais propriamente ‘Zerrener – Bülow e Cia’, de sociedade entre o dinamarquês Adam Dimitrik von Bülow e o alemão João Carlos Antônio Frederico Zerrenner – nome abrasileirado, atuava no ramo de exportação de café, especulação imobiliária e exploração capitalista, também conhecida por assumir o controle acionário da ‘Cervejaria Antarctica [Antártica]’.

  1. Fazenda Barra da Figueira

José Francisco [de] Chaves, adquiriu de Joaquim José Martins a fazenda Barra da Figueira, rumo às nascentes sendo “suas divisas pelo Norte, pelo Rio Pardo, Poente com Manoel Francisco [Soares] e Manoel Romão, pelo Sul com quem direito tiver pelo Leste com Joaquim José Martins.” (AESP: RPT/BTCT nº 365: 125-a/v). José Martins era ‘bugreiro’ – matador de indígenas, e articulador de posses – compras e vendas simuladas de terras com datas retroativas para garantir anterioridade de domínios e, assim, titularidade para adequações à Lei das Terras [601/1850] e sua regulamentação [Decreto 1318/1854]. A posse articulada também servia para ‘grilos’ e demandas de terras.

Nome fortemente ligado a Manoel Francisco Soares, Chaves foi o pai de José Domingos ou Domingues de Chaves, casado com Anna Porcina de Senne, filha do Soares; também pai de Antonia Maria dos Santos, casada com Justino Soares, outro filho do cofundador santa-cruzense. Estes nomes foram contados entre os primeiros moradores de Sodrélia (Documentos, CD: A/A).

  1. Fazenda Salto da Boa Vista

Manoel Francisco Soares foi o posseiro inaugural desta fazenda e a repassou, por venda declarada a José de Camargo Bueno do Prado, que promoveu o Registro Paroquial (AESP: RPT/BTCT nº 534: 175-v), repassando-as a Joaquim José Martins, antes que o Manoel Soares a readquirisse, entre 1859/1861, como Fazenda Ribeirão Grande, para alienação, em 1861/1862, ao padre João Domingos Figueira, por isso conhecida, também, por ‘Fazenda do Padre’.

Com a morte do padre Figueira, em 1878, o capitão Martinho Dias Baptista Pires comprou e unificou partes das Fazendas Salto da Boa Vista e Ribeirão dos Pires, repassando-a por venda nos primeiros anos do século XX, outra história.

  1. Fazenda Mandaguahy

Francisco Martins de Azevedo fez posse primária à margem esquerda do Rio Pardo, desde o Ribeirão Mandaguahy, pelo divisor do Ribeirão Dourado à direita, e Ribeirão do Lajeado à esquerda, até o espigão Pardo/Paranapanema, com Registro Paroquial de Terras lavrado em Botucatu, aos 31 de maio de 1856. Martins de Azevedo e sua mulher Guilhermina Claudia de Oliveira repassaram a propriedade a Francisco José Paulino, com documentação de compra e venda datada de 03 de março de 1861.

Consta, em documento de 29 de dezembro de 1862 que Francisco José Paulino e sua mulher America Maria de Jesus alienaram a propriedade, por permuta, com Francisco Ignácio Borges e sua mulher Anna Rosa de Oliveira (Correio do Sertão, 28/11/1903: 3). A propriedade foi apropriada pelo Coronel Antonio Evangelista da Silva (Correio do Sertão, 21/11/1903: 3) até sua venda em 1922.

Responsabilidade: Celso Prado e Junko Sato Prado – pradocel@gmail.com

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