Celso e Junko Sato Prado – Conquista Sangrenta do Sertão Paranapanema; Manoel Pereira Alvim morto por indígenas
No ano de 1850 o homem branco desceu a Serra Botucatu rumo ao interior, entre os rios Tietê e Paranapanema, para invadir as terras dos povos originários, para tomá-las em nome do capital, com extrema violência, enquanto os atacados defendiam seus territórios, a despeito da brutal diferença de amas a favor dos brancos.
O conquistador era cruel, através das razias e dadas, com o que havia de mais moderno e mortal dentre os equipamentos de guerra, que pudessem carregar às costas, em busca das aldeias pretendidas.
— Enquanto os estudos de como invadir o sertão, o bugreiro Vicente Lourenço à frente de um bando deslocava-se até o Rio de Janeiro, Capital do Império, para obter armas e munições para equipar os invasores (Leoni Ferreira da Silva, ‘Minha Terra, Assis’, 1979).
O ‘pequeno exército’ branco era divido em frentes de batalhas regionais para maior eficiência, numa incursão era penosa pelas dificuldades de se levar mantimentos, armas e munições, às costas de cada ‘soldado’, até próximo ao aldeamento a ser atacado
Nas matarias ‘os brancos’ não usavam animais, montarias e cães, para qualquer tipo de cerco pela vulnerabilidade nos ataques, dificuldades de movimentação e presença facilmente denunciada. Não usavam botas nos deslocamentos, preferindo os pés descalços, calejados, que facilitam o caminhar silencioso e rápido pelas matas.
Ataque ‘branco’ era repentino, os guerreiros indígenas atraídos para as lutas em campo aberto, encurralados ao encontro da morte, e, dentro dos ranchos as mulheres e crianças indígenas mortas a golpes de facões e os velhos, degolados. Disto advinham as crueldades: ventres rasgados, corpos infantis atravessados por punhais, empalações, membros decepados.
Algumas vezes os brancos incendiavam as moradias indígenas, enquanto os soldados colocados em pontos estratégicos aguardavam os fugitivos, para abatê-los a tiros. Noutras, quando o aldeamento desocupado provisoriamente, ou por fuga precavida, os assassinos ‘brancos’ deixavam água e vitualhas envenenadas para, quando os ausentes retornassem, práticas confirmadas pelo Governo da Província de São Paul e denunciadas no exterior.
—”Mais tarde, o superior dos capuchinhos, Fr. Bernardino de Lavalle, ao se referir ao massacre de 1886 [o acima citado] acrescentaria também a utilização de ‘1 kg de Strychnina, para extinguir, com um intervalo de 5 a 6 meses’, a população de mais duas aldeias Caingangues.
(…). Nestes horrores teriam perecido, em conseqüência do envenenamento dos suprimentos de água, mais de 1000 [mil] Caingangues.” (Tidei Lima – João Francisco, ‘A Ocupação das Terras e a Destruição dos Índios na Região de Bauru’, 1978: 146 – referência 119).
Das razias e dadas cometidas contra os índios, já em 1861 oficialmente ninguém ignorava os horrores praticados:
—”(…) pellos bugreiros, e de maneira que foi totalmente destruido, sendo os homens á balla, e as mulheres e crianças a faca, com o único fim de apropriarem os optimos terrenos, que desgraçados occupavão, os quaes com a mania de novas posses os seos conquistadores venderão por pouco mais de nada, para levarem mais longe a devastação.” (Arquivos do Estado de São Paulo – Documentos para Botucatu – AESP/BT, Caixa 39, Doc. 41-B, Pasta 2: 0225-0226).
Os índios também reagiam e matavam brancos, em defesa territorial e num ou outro caso de vinganças. Em 1876, por exemplo, as notícias que chegavam às autoridades provinciais e imperiais eram alarmantes:
— “O municipio de Santa Cruz do Rio Pardo, que já este anno foi theatro das correrias de indios bravios, acaba de ser invadida por um bando d’esses selvagens, que immolaram em cruel hecatombe 14 vidas, estragando plantações e gado!” (Registro de Governo-SP – RG, 1877/1878: 58).
No ano de 1887 acontecia a violência indígena contra os Pereira Alvim, família importante no desbravamento sertanejo, tendo à frente Manoel Pereira Alvim, fortemente vinculada aos Paiva, José Antonio de Paiva Junior, já desde o Areado-MG, chegando juntas a Santa Cruz do Rio Pardo, parte indo adiante até Conceição de Monte Alegre, Fazenda São Mateus, quando os originários vingadores lá atacaram, de surpresa, o fazendeiro Manoel Pereira Alvim e seus ruralistas, pondo em fuga os brancos, os indígenas pacificados e os escravos negros, à exceção da preta Luiza, que permanecera ao lado do seu senhor e de Antônio Luiz Ferreira, genro de Alvim, então mortos e esquartejados, sendo a cabeça de Luiz levada pelos índios. A mulher de Alvim ficou ensandecida, e sua filha, esposa de Antonio Luiz, entrou em choque vindo falecer três dias após (José Jorge Junior, ‘Um pouco de história…’, 5/11/1967).
— “Um crime horrível passou-se no municipio de Campos Novos do Paraná-panema, e é assim narrado de Santa Cruz do Rio Pardo pelo correspondente do Diário Mercantil, de S. Paulo:
Hontem (14) fomos surprendidos com a infausta noticia dos assassinatos do importante fazendeiro do municipio de Campos Novos do Paraná-Panema, sr. Manoel Pereira Alvim, e de um genro do mesmo fazendeiro, Luiz Antonio, e de uma escrava d’aquelle senhor, praticados pelos indios selvagens na fazenda de S. Matheus, onde residiam.
O que mais indigna e revolta são as atrocidades e os actos de canibalismo que esses terríveis habitantes das selvas costumam praticar nos cadaveres de suas victimas. De Manoel Pereira tiraram a pelle do rosto toda; de Luiz Antonio cortaram as pernas e os braços e fizeram extracção de toda a carne do corpo, deixando o esqueleto completamente limpo, etc, etc.
Este hediondo e revoltante attentado foi praticado no dia 8 deste mez [setembro de 1887].
Como consequencia, a população d’aquele municipio está extraordinariamente sobresaltada e amedrontada, esperando a reproducção, como infelizmente todos os annos acontece, por ocasião [da derrubada] das mattas.” (O Liberal do Pará, 24/09/1887: 2).
Ainda da chacina na Fazenda São Matheus contra os Alvim:
— “Os índios coroados, escondidos na mataria espessa, dando berros medonhos, se precipitaram sobre os pobres trabalhadores, numa tremenda e lugubre carnificina, desferindo-lhes formidaveis pancadas. Corpulentos, musculosos, todos eles estavam nús. Empunhavam o típico arco e traziam feixos de flexas. Outros estavam armados com grossos pedaços de páus. Descarregaram todo o peso da colera sobre os desventurados trabalhadores. O massacre foi hediondo. Cairam banhados em sangue Manoel Pereira Alvim, seu genro e a mulata Luiza, escrava e cozinheira na roça.
(…).
Manoel Pereira Alvim, alto, magro, rosto pálido, fazendo um esforço susteve-se firme, mas caiu no chão banhado com largas manchas de sangue. Seu cadaver foi picado aos pedaços e seu corpo mutilado foi enterrado com falta de um braço. Amputaram o dedo anular de Luiza para tirar-lhe o anel e introduziram-lhe pela parte pudenda um grosso pau dos que costumavam-se servir para o ataque corpo a corpo, tanto que o mesmo saiu pela garganta a fora, tendo servido como leva para ser transportado seu corpo moido e espedaçado para sua casa, situada nos campos que se estendiam, numa serena palidez, pouco alem do lugar da terrível chacina. Os selvagens, no tripudio da tragedia, cortaram a cabeça de Antonio Luiz Ferreira, e a levaram, muito provavelmente á aldeia, como trofeu da vitoria.
(…).” (Giovannetti – Bruno, ‘Esboço Histórico da Alta Sorocabana’, 1943: 145-149).
Os familiares e agregados da família Pereira Alvim foram à forra, seguindo trilha dos assassinos, com sessenta homens fortemente armados, para além do rio do Peixe e, já nas vertentes do Feio, encontraram uma aldeia com velhos e feridos, imediatamente mortos. O grupo atacante sabia que naquele local não se encontravam guerreiros, mas optou pelo massacre como lição.
— Conhecedores dos costumes indígenas, os ‘brancos’ sabiam que os guerreiros ausentes retornariam, por isso, deixaram venenos nos vasilhames e minas de água dos indígenas, causando mortes posteriores.
Sem outros ‘bárbaros’ à vista ou saciada a vingança, o bando ‘branco’ pôs-se de volta, quando surpreendido por nativos tocaiados próximos a um ribeirão desconhecido, com mortos, feridos e os demais postos em fuga, enquanto os aborígines desaparecidos mato adentro.
Marques confirma a memória familiar do massacre numa entrevista dada por Adauto Davini, descendente de Manoel Pereira Alvim:
— “O irmão da vítima, residente na cidade de Santa Cruz do Rio Pardo, retornava de uma romaria a Aparecida do norte. Quando se inteirou do fato, foi ao local onde ocorreu a chacina e envenenou o cocho de mel dos índios.” (Marques – Padre Dr. Afonso Maurílio, 2009: 16).
Não ficaria apenas nisto. José Antonio de Paiva Junior, também teve suas tretas com indígenas no São Mateus, e vingou-se conforme conta sua participação num massacre aos Otis que, graças à anotação testemunhada de Curt Nimuendajú [Kurt Unkel], se tornou documento histórico:
—”Uns sessenta homens armados até os dentes, numa manhã de nevoeiro, quando os Otis ainda dormiam, assaltaram a aldeia mais próxima na cabeceira do Córrego da Lagoa, afluente da margem direita do Sapé (…). Foram barbaramente assassinados sem distinção de idade ou de sexo (…). É difícil saber-se o número de Otis chacinados (…). Afirma José de Paiva, que tomou parte no feito, que os cadáveres estavam empilhados em grande quantidade.” (Tidei Lima, op.cit, 1978: 135-136). E o Governo, naquele seu mesmo Relatório, fala dos “horrores da parte dos índios quando executam feroz e premeditada vingança.”
—Outra terrível história documentada —
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