Celso e Junko Sato Prado – O caso ‘Marta Rocha’ em Santa Cruz do Rio Pardo
Lucio Casanova Neto, iniciado na política por Leônidas Camarinha, nas eleições municipais de 09 de novembro de 1947, elegeu-se o primeiro prefeito de Santa Cruz do Rio Pardo, pelo voto popular, mandato de 1948/1951. Nas eleições de 1951 disputou cadeira de vereança e foi eleito, período de 1952/1955.
Reeleito prefeito para o mandato de 1956/1959, no ano de 1957 Lucio, juntamente com Onofre Rosa de Oliveira, Reinaldo Zanoni, Anísio Zacura e outros, rompeu com o grupo do deputado e líder Leonidas Camarinha, assegurando-se no ‘Partido Democrata Cristão – PDC’, aliado à ‘União Democrática Nacional – UDN’, para muitos um suicídio político.
Com a cisão ocorrida os grupos adversários ficaram conhecidos como ‘azul’, de Lúcio e o ‘vermelho’, de Leônidas Camarinha. Lucio candidatou-se a vereador em 1959 e obteve a maior votação percentual da história de Santa Cruz e, ainda, viu eleito prefeito o companheiro Onofre Rosa de Oliveira.
A vitória foi tão humilhadora que o Camarinha e correligionários não perdoaram e denunciaram Lúcio, ao Ministério Público que aceitou o expediente e acusou o delatado de “continuados atos de desvio a apropriação de bens e dinheiros públicos, revelando à frente do Executivo Municipal absoluta improbidade e incapacidade de administrador, a que se devem acrescentar inúmeros deslizes e arbitrariedades” (Processo Crime 103.987, 25/04/1961, AP fls. 4, Juízo de Direito da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo – SP), durante sua gestão de prefeito de 1956/1959, e assim ‘incurso nas penas do artigo 312, combinado com os artigos 44 – item II letra ‘h’, e 52, § 2º, todos do Código Penal, com inclusas certidões ao Juízo de Direito para o início de instrução criminal, pelo disposto no artigo 498 e seguintes do Código de Processo Penal’.
Uma segunda denúncia informava que Lucio, à frente do executivo, desviara verba pública correspondente à restituição de fretes devida à Prefeitura pela Estrada de Ferro Sorocabana, e somente aos 27 de dezembro de 1958, quando acossado pela Justiça, repôs o dinheiro junto a tesouraria municipal, ou seja, vinte meses e dezessete dias após o recebimento. Desvios dessa natureza ocorreram mais de duas vezes.
Outra denúncia apontava que Lucio conseguira da ‘Estrada de Ferro Sorocabana’, por intermédio do Governo do Estado, trezentos trilhos de ferro destinados à rede telefônica de Espírito Santo do Turvo e reforma do matadouro da cidade. Dessa quantidade vendeu oitenta ao então vereador Onofre Rosa de Oliveira, numa venda irregular e o valor, em cheque, que não foi recolhido ao cofre da municipalidade, mas desviado e somente depois entregue à diretoria da ‘Associação Esportiva Santacruzense’, a título de doação ou auxílio financeiro, nada constando a respeito na escrituração da Prefeitura.
Em mais uma acusação dizia que Lucio contratara, em nome da Prefeitura, a firma ‘Montana S/A Engenharia e Comércio’, para a instalação completa de usina para fabricação de tubos de concreto, em prestações mensais, sendo pagos as três primeiras parcelas, e a Prefeitura cessou a liquidação das demais, o que ocasionou a visita de um inspetor da firma, ficando acertado que o restante seria recebido através do ‘Departamento de Estradas de Rodagem – DER’, por conta da cota do ‘Fundo Rodoviário’.
A Montana S/A recebeu o preço total do DER, através de cheque, e devolveu o excedente ao prefeito, ou seja, as primeiras parcelas liquidadas e um saldo existente a favor do município, e Lucio não providenciou o depósito para a prefeitura, nem deu entrada do numerário na tesouraria, justificando aquisições diretas de lâmpadas e de materiais esportivos doados à Associação Esportiva Santacruzense.
Lucio também foi incriminado por retiradas de medicamentos, pessoalmente, reiterada vezes, na farmácia Santa Terezinha, propriedade de Lazaro Cassiano Dias, a pretexto de auxiliar os indigentes e as famílias dos empregados municipais, mandando que as despesas feitas fossem debitadas à prefeitura, desconhecendo-se o destino dos medicamentos, certo, porém, que pagos pela municipalidade, caracterizando desvio de recursos. Desta irregularidade comentava-se que eram ‘notas frias’, superfaturadas, sendo o dinheiro encaminhado ao time de futebol profissional.
Apurou-se ainda que, por ordem de Lucio, que o fiscal João Martins retirara material de construção de um dos depósitos da prefeitura, para ser utilizado na casa de Enedina Barreto, denunciada ‘amante’ do prefeito, constituindo o fato como apropriação de bens do município, sobre os quais Lucio tinha o poder de disposição.
Outros desvios denunciados referem-se ao recebimento de recursos DER, por conta da Fundo Rodoviário Nacional e Auxílio Rodoviário Estadual, não contabilizados, nenhum deles, no entanto, teve a dimensão da acusação que Lucio recebera e desviara para si um cheque da Estrada de Ferro Sorocabana, referente a restituição de fretes a favor do município
A situação complicou-se para Lucio com a decretação de prisão preventiva, pelo então juiz da comarca, dr. Victor Tieghi, obrigando-o homiziar-se na casa de amigos e, em certo momento, foragir-se no município paranaense Primeiro de Maio, e o suplente de vereador, Gastão Cid, assumiu o seu lugar na câmara.
A UDN honrou compromisso com o PDS para lançar Lucio candidato a deputado estadual, nas eleições de 07 de outubro de 1962 – legislatura 1963/1966, pela coligação ‘janista’: ‘Partido Trabalhista Nacional e o Movimento Trabalhista Renovador – PTN/MTR’, eleito face anulação dos votos comunistas, enquanto o adversário Camarinha, amargava suplência até assumir cadeira em lugar de deputado de sua coligação nomeado para Secretaria de Estado.
Diplomado deputado aos 28 de janeiro de 1963, Lucio sem comparecer à solenidade, “em razão da sanha de seus algozes.”, conseguiu imunidade parlamentar e não podia ser preso sem autorização da Assembleia. O deputado algumas vezes declarou à imprensa santa-cruzense que a Assembleia podia autorizar a Justiça processá-lo, que ele responderia todas as acusações e comprovaria sua inocência, todavia, quando em junho de 1964 a Assembleia ofereceu a autorização, de pronto o juiz da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo, Victor Tieghi, expediu o mandado de prisão, porém Lucio evadira-se até reaparecer, mediante ‘habeas corpus’, cumprindo o restante da legislatura e reeleger-se deputado estadual.
As brigas de Casanova e Camarinha, iniciadas em 1957, tiveram lances inauditos em 1964, quando Leônidas denunciou Lúcio nos desvios de verbas públicas, milionárias, recebidas da Estrada de Ferro Sorocabana referente a restituição de fretes a favor do município, e o atacado, por seu turno, revelou irregularidades na administração de Cyro de Mello Camarinha e, ainda, José Carlos Nascimento Camarinha (vice-prefeito 1963) e Píndaro Camarinha (funcionário do Departamento de Correios e Telégrafos), por desvios de dinheiro público e materiais de obras dos novos prédios de agências de correios, pelo interior do Estado de São Paulo, envolvendo no mesmo processo também Cyro de Mello Camarinha e os pedreiros irmãos, Vicente Ribeiro e Antonio Ribeiro Filho – Bulota. José Carlos Nascimento Camarinha e Píndaro foram presos, incomunicáveis, em 1964.
Através do seu defensor, Basileu Garcia, Lucio não negou a venda de trilhos da estrada de ferro ao amigo vereador, Onofre Rosa de Oliveira, para reforma de linha telefônica rural, e que o cheque emitido por Onofre foi repassado à Associação Esportiva como incentivo ao esporte municipal. Não confirmou, porém, desvios de materiais para a residência da amante; e das demais acusações, inclusive dos repasses pela Sorocabana, alegou problemas da tesouraria, ausências e erros de lançamentos, atribuindo acusações infundadas de adversários políticos.
O ‘Caso Marta Rocha’
Quanto ao desvio de verbas públicas recebidas da Estrada de Ferro Sorocabana, referentes a restituição de fretes a favor do município, Lucio confirmou o recebimento do cheque, mas que o repassara, endossado, ao deputado Leônidas Camarinha, para compra de um veículo – tipo camionete Chevrolet 1957 para a Municipalidade, jamais entregue, imbróglio que se tornou conhecido como ‘Caso Marta Rocha’, o apelido dado ao modelo do veículo em homenagem à beleza da Miss Brasil 1954. O utilitário teria sido adquirido em Piracicaba – SP, em nome de Carlos Queiroz, genro do deputado Camarinha, segundo depoimento de Reynaldo Zanoni, em agosto de 1964:
—”Fato importante narrado pelo Sr. Reynaldo Zanoni foi aquele em que discorre sôbre a compra de duas camionetes, efetuada pelo sr. Leonidas Camarinha na cidade de Piracicaba, uma delas em nome de seu genro, o [então] atual prefeito santa-cruzense [Carlos Queiroz], com cheque endossado pelo então prefeito Lucio Casanova Neto. Como sabe a opinião pública, ditos veículos jamais foram entregues ao Município.” (O Regional, 30/08/1964: 1).
Um veículo em nome de Carlos Queiroz, que efetivamente o exibia dizendo ser sua, por compra, contudo, o outro, não jamais existiu. Nessa conduta processual Basileu Garcia concluiu o processo: “Não tendo como obter que o veículo fosse entregue e não querendo que esse estado de coisas se prolongasse, o denunciado [Lucio] efetuou o depósito da quantia mencionada, na forma exposta”.
O parlamentar ainda se confrontou diretamente com o Camarinha, disputando cadeira para a Assembleia Legislativa de São Paulo, em 15 de novembro de 1966. Leônidas Camarinha no páreo obteve 4.027 votos não se elegendo, enquanto Lucio mais que triplicou sua performance anterior, elegido com 12.925 votos.
Em setembro de 1969 Lucio livrou-se do processo, absolvido pelo juiz da comarca, Luiz Paranhos Velho, centrado que o ‘habeas corpus’ conseguido em 1964 era a comprovação da inocência do acusado, e que o processo já se arrastava por quase uma década. Com recurso do Ministério Público, Basileu Garcia destacou o depoimento do dr. Cyro Camarinha que declarava ser não apenas adversário político e sim inimigo de Lucio; e a decisão final ocorreria no exercício seguinte.
A Justiça inocentou Lucio Casanova Neto, definitivamente, em 18 de setembro de 1970, e ele ainda comemorava com amigos, em Santa Cruz, quando cassado o seu mandato pelo Ato Institucional nº 5 (DOU, 21/05/1970). A cassação teria sido denúncia política por parte do rival Leônidas Camarinha ao Comando da 1ª Região Militar. Desgostoso Lucio retirou-se da política
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